A trombose venosa cerebral (TVC) é um tipo relativamente raro de acidente vascular cerebral (AVC), que, de acordo com as estimativas, afeta entre 1,3 e 1,6 pessoas em cada 100 mil. Este evento ocorre quando coágulos de sangue obstruem os seios durais, ou seja, as veias que drenam o sangue do cérebro. A TVC, sobre a qual se tem falado mais recentemente, devido ao relato de alguns casos associados às vacinas contra a COVID-19, é o tema do 7.º episódio da websérie SINOPSE. Os esclarecimentos são prestados pela Prof.ª Catarina Fonseca, neurologista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, que é entrevistada pela Dr.ª Leonor Dias, interna de Neurologia no Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto.
Como explica Catarina Fonseca, “a TVC pode ser causada por diversos fatores de risco transitórios ou permanentes”. Alguns são exclusivos do sexo feminino – o que explica que a doença seja bastante mais comum nas mulheres do que nos homens. É o caso da gravidez, do período pós-parto e da toma de contracetivos, como a pílula, que podem estar associados à formação de trombos (coágulos sanguíneos).
A TVC também pode ser desencadeada por pancadas na cabeça (traumatismos cerebrais), infeções na cabeça ou no pescoço, desidratação ou anemia, entre outras causas transitórias. Já os fatores de risco permanentes podem ser, por exemplo, doenças genéticas hereditárias que causam diminuição das proteínas que previnem a formação de trombos. Existem ainda algumas doenças sistémicas (ou seja, que afetam várias órgãos e tecidos ou mesmo o corpo todo) que aumentam a probabilidade de TVC, como o cancro, a doença inflamatória intestinal ou o lúpus.
A identificação de alguns casos de formação de coágulos no cérebro em pessoas vacinadas contra a COVID-19 tem sido amplamente difundida pelos órgãos de comunicação social. Segundo Catarina Fonseca, esta situação não foi identificada nos ensaios clínicos que levaram à aprovação das vacinas, mas sim quando a vacinação começou a ser realizada em grande escala. “Apesar de tudo, o número de doentes incluídos nos ensaios clínicos não era tão grande como a população total a ser vacinada. Quando se começou a administrar as vacinas da COVID-19 – e nunca se tinha vacinado tanta gente em simultâneo –, foi possível detetar situações raras, nomeadamente casos de TVC em pessoas inoculadas com as vacinas baseadas num vetor viral (o adenovírus): a da AstraZeneca e a da Johnson & Johnson”, explica a neurologista.
Os casos de TVC associados às vacinas acima referidas são algo diferentes do habitual. “São mais graves, afetavam várias veias simultaneamente e resultam em maior mortalidade do que seria de esperar”, refere Catarina Fonseca. Recentemente, os investigadores conseguiram perceber que “grande parte dos doentes afetados por este tipo de TVC apresentou diminuição de plaquetas e produção de um anticorpo que aumenta a probabilidade de formação de trombos”.
“Esta situação é semelhante a outras já verificadas com outros medicamentos e até já lhe foi dado um nome: trombocitopenia trombótica imune induzida pela vacina”, informa a neurologista. Com a vacina da AstraZeneca, foram detetados cinco casos desta trombocitopenia por cada milhão de pessoas vacinadas, o que leva Catarina Fonseca a afirmar que “os benefícios da vacina ultrapassam largamente os riscos”.
O sintoma mais comum da TVC são as dores de cabeça. Como esta é uma queixa muito comum e associada a variadíssimas causas, há que estar atento a outros sinais. “Se a pessoa tiver uma dor de cabeça como nunca teve (por exemplo, mais intensa, contínua ou numa localização diferente), deve-se ponderar a TVC”, explica Catarina Fonseca. Outro sinal de alerta é a associação da dor de cabeça a esforços, doenças sistémicas, alterações da fala, diminuição da força muscular ou crises epiléticas.
O diagnóstico da TVC é confirmado através de um meio de imagem cerebral, nomeadamente uma veno-TAC (tomografia axial computorizada) ou uma veno-RM (ressonância magnética). “Confirmada a presença desta doença, deve-se fazer a história médica do doente, de modo a perceber a causa do episódio.”
O tratamento depende dos fatores que desencadearam a doença. De qualquer modo, em geral, é necessário começar de imediato a tomar um anticoagulante, que permite que o sangue se mantenha fluido (“mais líquido”) dentro dos vasos. Por norma, são também administrados medicamentos para resolver os sintomas, como as dores de cabeça ou as crises epiléticas.
Segundo Catarina Fonseca, a mortalidade nos doentes com TVC ronda os 5 a 10%. “Em grande parte dos casos, ultrapassada a fase crítica, o prognóstico é favorável e as pessoas não ficam com limitações motoras. Ainda assim, dados publicados recentemente parecem indicar que algumas alterações neuropsiquiátricas, como a ansiedade, podem ser uma consequência de longo prazo da TVC”, indica a neurologista.