30 Dezembro 2020 SINOPSE

Doença de Parkinson afeta entre 18 a 20 mil pessoas em Portugal

Doença de Parkinson afeta entre 18 a 20 mil pessoas em Portugal

No 3.º episódio da websérie SINOPSE, o Dr. Luís Abreu, neurologista no Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira/Hospital Pêro da Covilhã, percorre os principais temas relacionados com a doença de Parkinson (DP), respondendo às perguntas da Dr.ª Daniela Pimenta da Silva, interna de Neurologia no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria. “A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente na população mundial, logo a seguir à doença de Alzheimer. Afeta milhões de pessoas e, em Portugal, um estudo publicado em 2017 estima uma prevalência de pelo menos 180 casos por cada 100 mil habitantes, portanto, existem cerca de 18 a 20 mil pessoas com DP no nosso país”, começa por referir Luís Abreu.

 

Esta é uma doença progressiva e que resulta da morte de neurónios de uma zona cerebral muito específica – a substância negra do mesencéfalo. “Os neurónios que formam a substância negra são responsáveis pela produção de dopamina, uma molécula que tem várias funções no sistema nervoso central e é o principal neurotransmissor envolvido no funcionamento das estruturas cerebrais responsáveis pelo controlo dos movimentos do corpo. A destruição progressiva dos neurónios produtores de dopamina reduz a sua quantidade no cérebro e as estruturas responsáveis pelo controlo dos movimentos entram em falência. Em suma, a DP é uma doença do movimento, predominantemente com sintomas motores, crónica e progressiva”, explica o neurologista. 

 

 

Estima-se que os primeiros sintomas da DP só se manifestam quando já houve perda de cerca de 60% dos neurónios da substância negra do mesencéfalo, o que faz com que seja muito importante identificar estes sinais, para estabelecer o diagnóstico e instituir o tratamento. “Os sintomas motores, nomeadamente os tremores, são, frequentemente [em 75% dos casos], o primeiro motivo que leva à consulta. No entanto, cerca de 25% das pessoas com DP não têm o tremor como primeiro sintoma, embora saibamos que, com o avançar da doença, a grande maioria dos doentes [cerca de 90%] desenvolverá tremores”, afirma Luís Abreu. 

 

 

SINTOMAS MOTORES  

- Tremor: primeiro sintoma de DP na maioria dos casos (75%). “É um tremor de repouso, que aparece quando a pessoa não está a realizar tarefas com as mãos. O tremor da DP caracteriza-se por ser assimétrico (inicialmente pode atingir apenas uma das mãos/um dos membros superiores) e por ter um caráter flutuante, manifestando-se em alguns períodos do dia. Com a progressão da doença, o tremor pode manifestar-se durante todo o dia e também quando a pessoa realiza tarefas com as mãos – o chamado tremor postural. Este é um dos sintomas mais valorizados pelos doentes, mas não é o mais importante para o diagnóstico formal de DP”, explica Luís Abreu. 

 

- Bradicinesia: é o sintoma mais importante para o diagnóstico de DP e manifesta-se por uma lentidão generalizada dos movimentos. “Nos membros superiores, a bradicinesia reflete-se, sobretudo, nos movimentos mais firmes, como abotoar uma camisa, escrever, fazer duplo clique no rato, martelar, tocar piano, etc. Nos membros inferiores, há uma perceção de que a marcha está mais lenta (com algum arrastamento dos pés), uma sensação muito específica de desequilíbrio (mesmo quando a pessoa não está a andar) e de que os pés ficam colados ao chão. Os doentes com DP têm dificuldades em iniciar a marcha, levantar-se, subir escadas ou sair do carro.”

 

- Rigidez: o aumento do tónus muscular generalizado “pode ser responsável pelas queixas de dor e diminuição do balanceio dos membros superiores quando a pessoa está a caminhar, que, inicialmente, pode ser só num dos lados (um braço não balanceia tanto quanto o outro na marcha normal)”. 

 

- Instabilidade postural: a alteração dos reflexos posturais reflete-se em desequilíbrio durante a marcha, podendo levar a quedas e fraturas ósseas.


 

SINTOMAS NÃO MOTORES  

- Hiposmia (perda parcial de olfato); 

- Perturbações do humor; 

- Ansiedade; 

- Depressão; 

- Perturbações do sono; 

- Fadiga; 

- Problemas gastrointestinais; 

- Disfunções urinárias; 

- Perda de capacidades cognitivas, incluindo demência. “A prevalência de demência nos doentes com DP é de menos de 50% e trata-se de uma demência completamente diferente da doença de Alzheimer [DA]. Surge numa fase mais tardia da DP, por isso, os doentes podem estar sem sintomas cognitivos durante muitos anos, ao contrário do que acontece nos doentes com DA.” 

 

Algumas manifestações não motoras da DP, como a hiposmia e a perturbação do sono, podem surgir anos antes do início dos sintomas motores.

 

Reconhecidos os sintomas, o diagnóstico de DP resulta da avaliação realizada pelo neurologista, com com base na colheita da história clínica, na evolução dos sintomas ao longo do tempo e na resposta à terapêutica usada nos doentes com DP. “Não existe nenhum exame que faça o diagnóstico definitivo. No entanto, dependendo da avaliação do neurologista ao caso concreto, poderá ser necessário realizar exames complementares de diagnóstico, como a TAC ou a ressonância magnética cranioencefálicas, também numa perspetiva de excluir outras causas de parkinsonismo que podem simular uma DP nas fases iniciais”, nota Luís Abreu. 

 

Estratégias de tratamento 

 

Quanto ao tratamento, antes de mais, o neurologista sublinha que “não existe nenhum medicamento que atrase ou impeça a progressão da DP, muito menos uma cura”. No entanto, “existe uma grande quantidade de diferentes classes de medicamentos que podem ser utilizados para controlar os sintomas, permitindo uma qualidade de vida razoável durante muito tempo após o início da doença”.

Resumidamente, os fármacos atuam em substituição da dopamina que falta nas estruturas cerebrais destes doentes. Para as fases muito avançadas, nas quais o controlo dos sintomas já não é possível através dos fármacos existentes, há ainda a possibilidade de recorrer à cirurgia de estimulação cerebral profunda. Porém, um grupo muito pequeno de doentes atinge o ponto de reunir os critérios clínicos para a cirurgia. 

 

Os doentes com DP deverão estar conscientes de que a resposta ao tratamento pode tornar-se progressivamente errática. “As flutuações motoras, a perceção de que o efeito benéfico da medicação cessou antes da toma seguinte, o atraso do início do efeito, ou uma perda abrupta e imprevisível do efeito do tratamento são situações que podem surgir. Por outro lado, o aumento das doses para controlar essas flutuações também pode originar algumas complicações motoras, as chamadas discinesias (como se, durante algum tempo, o cérebro estivesse sob efeito de excesso de medicação)”, explica o neurologista. 

 

Apesar de a complexidade da gestão do doente com DP aumentar ao longo dos anos, “felizmente, existem várias estratégias para ultrapassar as flutuações motoras e, em média, metade dos doentes desenvolve estas flutuações aos cinco anos da doença”, o que quer dizer que podem passar mais anos até que este problema surja. Não obstante, é essencial que o doente com DP seja avaliado regularmente pelo seu neurologista, que, consoante a manifestação dos sintomas motores e não motores, otimizará a terapêutica e, caso existam critérios, poderá referenciar para a cirurgia de estimulação cerebral profunda.


Em resposta às questões da sua colega de profissão neste episódio da websérie SINOPSE, Luís Abreu também esclarece que “uma minoria de 5 a 10% dos doentes com DP tem uma causa genética, que pode ser transmitida aos filhos”. Habitualmente, “estes casos aparecem em idades mais precoces e têm alterações neurológicas mais atípicas, que podem ser facilmente identificadas em consulta”. Mas o neurologista ressalva que, “na grande maioria dos casos, a DP não é hereditária”.