03 Setembro 2021 SINOPSE

A enxaqueca não é uma inevitabilidade

A enxaqueca não é uma inevitabilidade

Estima-se que a enxaqueca atinja cerca de 1,2 milhões de pessoas em Portugal, diminuindo a sua qualidade de vida e gerando repercussões socioeconómicas muito significativas, dado que é particularmente prevalente nos adultos jovens. No 9.º episódio da websérie SINOPSE, o Dr. José Maria Bandeira Costa (interno de Neurologia no Instituto Português de Oncologia de Lisboa) entrevista a Dr.ª Sara Machado (neurologista no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, na Amadora) sobre esta doença, procurando esclarecer aspetos como os sintomas associados, o diagnóstico e o tratamento.

A enxaqueca é uma cefaleia primária, ou seja, não decorre de outro problema de saúde. Por norma, manifesta-se por episódios de dor pulsátil (como “o coração a latejar”), habitualmente em metade da cabeça, embora também possa ter outras localizações, como a região periorbitária (à volta do olho) ou occipital (parte traseira da cabeça). “Tipicamente, uma crise de enxaqueca dura algumas horas, mas pode prolongar-se até três dias. A sua frequência é muito variável, desde poucas vezes ao longo da vida até algumas vezes por semana”, explica Sara Machado.

Em alguns casos, a dor de cabeça é acompanhada por sintomas como náuseas e vómitos; intolerância à luz, ao ruído, aos cheiros e aos movimentos da cabeça; ou alterações cognitivas. “Durante a crise, algumas pessoas sentem o raciocínio mais lento e não conseguem ter o mesmo rendimento laboral, social ou em atividades pessoais”, detalha a neurologista.

Cerca de 20% dos doentes apresentam a chamada enxaqueca com aura, que tem sintomas visuais temporários, como brilhos, luzes ou linhas em ziguezague. “Normalmente, estes sintomas aparecem durante cerca de 20 minutos, regredindo depois sem deixar rasto. Também podem ocorrer outros sintomas, como um formigueiro que, habitualmente, surge na mão e progride para o braço e para a face. Embora menos frequentes, a perda de força muscular, a alteração da linguagem e a vertigem também são sintomas da enxaqueca com aura”, descreve Sara Machado.

COMO EVITAR CRISES DE ENXAQUECA?

Recomendações da Dr.ª Sara Machado:

- Praticar exercício físico aeróbico, como correr, caminhar em passo rápido, pedalar, dançar ou subir escadas;

- Beber bastante água ao longo do dia;

- Fazer refeições frequentes, bem distribuídas e com poucas calorias;

- Manter um horário regular para dormir;

- Reduzir o stresse.

Diagnóstico e tratamento

Na grande maioria dos casos, o diagnóstico faz-se através da observação do doente pelo médico, sem necessidade de meios complementares de diagnóstico. “Dado que os doentes com enxaqueca não costumam apresentar quaisquer alterações nos exames, estes devem realizar-se apenas nos casos em que a história clínica não é típica”, recomenda Sara Machado.

As mulheres são mais afetadas do que os homens, devido ao efeito das hormonas sexuais femininas, nomeadamente os estrogénios. Como esta influência hormonal só se manifesta a partir da puberdade, as crianças de ambos os sexos têm prevalências de enxaqueca semelhantes, mas, a partir da primeira menstruação, a diferença vai aumentando. Depois dos 30 anos, as mulheres têm o triplo da probabilidade de sofrer de enxaqueca do que os homens.

Segundo a neurologista, “as variações hormonais desempenham um papel importante no despertar das crises, que são mais frequentes nos dias que antecedem ou nos primeiros dias da menstruação”. A enxaqueca pode ser desencadeada por outros fatores, como as alterações no período de sono, nos horários das refeições e até na pressão atmosférica, sendo que, em dias de céu nublado, as crises são mais frequentes.

Existe uma tendência hereditária para sofrer de enxaqueca e não há cura para esta doença. No entanto, estão hoje disponíveis vários tratamentos. “A primeira abordagem deve passar sempre por medidas que não envolvam a toma de medicamentos [exemplos na caixa acima]”, afirma Sara Machado. Caso não resultem, a medicação mais utilizada visa controlar a dor. Os analgésicos simples (como o paracetamol), os anti-inflamatórios não esteroides e os triptanos (fármacos desenvolvidos especificamente para enxaqueca, com o intuito de terminar as crises) são algumas opções. Podem também ser utilizados fármacos para controlar outros sintomas além da dor, como os antieméticos, se a pessoa tiver vómitos.

Alguns doentes podem fazer tratamento preventivo. Até há pouco tempo, as únicas opções neste âmbito eram medicamentos desenvolvidos para tratar outras doenças, como a epilepsia ou a depressão. Recentemente, foram aprovados os primeiros fármacos (anticorpos monoclonais) especificamente desenvolvidos para prevenir a enxaqueca.